O trabalho em altura é uma das atividades mais perigosas dentro da indústria e da construção civil. Apesar disso, ainda é comum encontrarmos empresas que tratam esse tema com descaso, utilizando andaimes improvisados, linhas de vida inadequadas ou equipamentos de proteção fora das normas técnicas.
Essa realidade levanta uma pergunta importante:
Por que, mesmo com tantas evidências de risco e com legislações bem estabelecidas (como a NR-18 e a NR-35), o trabalho em altura não recebe a devida seriedade?
1. A cultura do “sempre foi assim”
Muitas organizações ainda estão presas a uma mentalidade antiquada:
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Improvisar é mais rápido: adaptações feitas no próprio canteiro de obras ou na fábrica são vistas como soluções “práticas”.
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Histórico de poucos acidentes: a falsa sensação de segurança, baseada no “nunca aconteceu nada”, leva gestores a acreditarem que não vale a pena investir em melhorias.
Essa cultura perpetua a negligência e normaliza situações de risco.
2. Falta de conhecimento técnico e normativo
Embora as normas regulamentadoras estejam disponíveis, muitos gestores e até técnicos de segurança desconhecem os detalhes práticos de aplicação:
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Qual a diferença entre um andaime tubular certificado e uma estrutura improvisada?
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Como dimensionar uma linha de vida conforme a NBR 16.325-1?
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Qual o impacto de usar cintos de segurança sem certificação?
A ausência de treinamento específico e atualização constante gera decisões equivocadas na compra e uso dos equipamentos.
3. Pressão por custos e prazos
Em setores competitivos, o custo e a rapidez frequentemente se sobrepõem à segurança:
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Compra pelo menor preço: equipamentos de qualidade e certificados têm custo maior, e gestores acabam optando por alternativas mais baratas e fora de norma.
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Prazo acima de tudo: muitas vezes, o cronograma da obra é tão apertado que se cria a ideia de que seguir normas “atrasaria” a execução.
O resultado é um paradoxo: a economia imediata se transforma em riscos legais, financeiros e humanos muito maiores.
4. Fiscalização insuficiente
Ainda que exista legislação clara, a fiscalização é limitada:
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Falta de auditores em número suficiente para cobrir todos os canteiros e indústrias.
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Ações concentradas apenas em acidentes graves, deixando práticas inseguras passarem despercebidas.
Isso cria um ambiente onde empresas calculam o risco de serem multadas como “baixo”, reforçando a negligência.
5. A falsa ideia de que EPI resolve tudo
Muitos empregadores acreditam que fornecer cinto e talabarte é suficiente para se isentar de responsabilidade. Porém:
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EPIs são a última barreira, e não substituem andaimes certificados, linhas de vida móveis ou plataformas projetadas.
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Sem treinamento adequado e sem considerar as normas de ancoragem, o EPI se torna apenas um item “para inglês ver”.
6. Consequências da negligência
Trabalhar em altura com equipamentos fora de norma não é apenas uma infração — é uma ameaça direta à vida.
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Acidentes fatais: a queda ainda é a principal causa de morte no trabalho no Brasil.
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Responsabilidade civil e criminal: gestores podem responder judicialmente por negligência.
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Imagem da empresa: acidentes em altura ganham repercussão imediata, prejudicando contratos e reputação.
7. Caminhos para mudar esse cenário
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Educação e conscientização: investir em treinamentos contínuos sobre normas e riscos reais.
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Cultura de segurança: envolver gestores, líderes e trabalhadores na criação de um ambiente onde a vida esteja acima do prazo e do custo.
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Valorização de fornecedores sérios: optar por empresas que oferecem andaimes, plataformas e linhas de vida certificados, projetados de acordo com as normas.
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Fiscalização interna: não esperar apenas pelos órgãos públicos, mas criar auditorias internas de segurança.
O trabalho em altura não é levado a sério em muitas empresas por uma combinação de cultura ultrapassada, pressão por custo/prazo, falta de conhecimento técnico e fiscalização insuficiente. Porém, essa negligência cobra caro — em vidas, processos e prejuízos.
Respeitar as normas não deve ser visto como gasto, mas como investimento em produtividade, confiança e, acima de tudo, em vidas humanas.